O campo da arquitetura de interiores e design de interiores possui uma dinâmica acentuada no que diz respeito a tendências, modas, novidades tecnológicas entre outros. Em geral, seus postulados acabam por definir o que é elegante e o que está cafona, o que é belo e o que é feio em um determinado recorte de tempo e espaço. O que chega para as massas consumidoras, vindo de revistas e magazines especializados, blogs, propagandas e até programas de TV cujo eixo central é a reforma de uma casa ou compartimento, reflete este universo sob o qual gira o campo de trabalho de reforma de interiores, e por sua vez alimenta a rede social de desejos.
Quem não quer ter a casa bonita e aconchegante? Precisamos porém, lembrar que, a beleza tem história, e seus signos são construídos no tempo. Para tanto, é necessário desconstruirmos o sentido de beleza condicionada ao exclusivo, a itens de difícil acesso que por sua vez, acabam sendo um instrumento de poder.
Um exemplo: As tão desejadas casinhas brancas de Mykonos tem sua estética determinada pela mesma técnica de pintura que hoje em dia marca uma enormidade de casas mais populares do Brasil, a caiação. Aquele mesmo azul e branco que remete uma memória de rua de avó, de vizinho pintando calçada ou tronco de árvore (não faça isso).

Aconchego é um termo que se associa a acolhimento, a afeto. É possível termos cantos de afeto e ao mesmo tempo belos? Entendo que sim, se formos capazes de desnaturalizar a noção de belo relacionado a elementos externos ao afeto, ao acolhimento. É por este prisma que gostaria de apresentar as casas suburbanas como uma possibilidade real de beleza, a beleza de uma decoração construída historicamente pelas condições de possibilidades e pelos afetos inseridos no habitar.
Entre as inúmeras coisas que casas de subúrbios e populares nos ensinam, uma delas é que cada peça de decoração pode ser escolhida e concebida por fatores dos mais distintos que vão desde a utilidade até o humor. Dos populares filtros de barro, hoje considerado um dos mais eficientes e ecológicos filtros, até as fotos de família na estante ou parede, cada detalhe reflete um pouco de história ou causo da vida dos que habitam aquele lugar. A harmonia da casa está na organicidade da relação objeto, espaço e tempo, muito mais do que no arranjo de formas, paletas de cores, estilos, materiais.
Você pode ter um aparador mais modernoso comprado em uma loja especializada em móveis com design, e por em cima as fotos de formatura do filho em uma moldura adquirida na Praça 2. Talvez isso não pareça caber nos cânones de quem escreve o “bom design de interiores” mas isso cabe na história de sua família que teve naquele filho o primeiro membro de gerações a ter um curso superior. Filho este cuja avó poderia ter sido uma escravizada que seguiu sobrevivendo semianalfabeta. A foto é uma conquista e o aparador uma mesa expositiva. Não tem quadro de milhões do Romero Britto ou Mondrian que faria mais sentido apoiado naquele aparador do que aquela foto.
Da mesma forma, esta possibilidade não cabe numa estética pastiche ou forçada. O item aparece lá sem imposição regrada, pois a regra não é o item, mas a capacidade deste acolher, simbolizar, representar um valor que seja para os que ali estão. Um pé de amendoeira que cresceu contigo, um pedaço de memória solidificado num ferro velho, uma ferramenta que pertenceu ao seu avô, ainda que hoje já não pareça ser eficiente, a mesa comprada a duras custas naquela loja de móveis do bairro que praticamente nem existe mais. Tem história no quadro decorativo de autoria anônima vendida na loja de conveniências, uma história que não saberemos de uma ou algumas mãos que produziram a peça, talvez em linha industrial, talvez manufaturada, tem a história de trabalhadores comuns que vivem seu cotidiano e que nunca saberão que sua costura ou sua pintura estarão expostos em uma parede em Olaria.

Outra questão importante de posicionarmos é o humor. Por que não falar de peças de decoração que se propõem interessantes pelo lúdico e diversão? uma luminária feita com algum pedaço inusitado de automóvel, abridor em forma de pênis ou cadeira que servirá para fazer uma pegadinha com algum parente no dia do churrasco. Itens que se enquadram nesta busca parecem um conjunto de inutilidades. Estes itens por sua vez buscam uma relação de sociabilidade própria, com base na diversão, no fazer graça com o próximo, muitos destes itens tem vida efêmera, outros permanecerão sempre a postos para gerar o riso de uma visita de primeira viagem.
As casas tem destas coisas, um misto de casa com oficina, onde a mesa de estudos da criança é uma mesa velha de botequim que fica armada na varanda e que seus avós bebem a tarde contando causos à sombra da mangueira. Onde o pote de sorvete ou a lata de tinta servem como apoio para o labor do plantio das mudas que logo virarão belas árvores no quintal, onde pelo menos um dos quartos quase nunca fica arrumado e nada parece combinar com nada, mas no dia a dia tudo parece ter um sentido.

Assim como há uma espacialidade e arquitetura do cotidiano, podemos dizer que há um design do cotidiano já consolidado cujos elementos merecem e devem ser valorizados. Saber observar os itens, enxergar seu sentido histórico para aquele ambiente, e saber compor com ele muitas das vezes nos permitirá criar resultados tão belos quanto quaisquer desenhos de interiores produzidos usando peças de marcas tradicionais do ramo.
Casas de vó são casas repletas de afetos e reminiscências que habitam num cantinho especial em nossa mente, muitas das lembranças sequer refletem o que era a casa real, e muito do que amamos em nossas lembranças podem representar a peça mais efêmera que existia. Peças que talvez, no desejo de nossas avós, elas sonhavam em trocar todo dia por uma da moda mas não conseguiam porque não tinham dinheiro.
