Arquitetura e Urbanismo, política, Saúde, trabalho

Feijão arroz e agenda.

Sempre me questiono por que apresentações de métodos de organização de trabalho em equipe sempre parecem mais bonitos e eficientes em powerpoint do que quando aplicados na prática.

Um dos motivos que mais assimilo é que gastamos tempos enormes enamorando métodos, assistindo eventos e palestras motivacionais que visam divulgar esses métodos e pouco trabalhamos a singularidade das equipes de trabalho. Quantos de nós somos bons em algo e mal aproveitados por conta da tentativa de se encaixar um método de gestão de trabalho na equipe?

Penso que todos os métodos são interessantes, não precisamos de dogmas sobre isso, são simplesmente ferramentas de trabalho para nos ajudar a moldar melhores jeitos de operar. Nenhum método precisa ser um dogma empresarial.

O que precisamos é entender bem os potenciais da equipe que temos, encontrar os pontos fracos e fortes, operar com isso. Valorizar a equipe financeiramente, garantir bons planos de cargos e salários, bons tempos de lazer e incentivo a estudo. Criar um bom ambiente para o trabalhador é das mais antigas e melhores garantias de sucesso numa equipe, além de tornar qualquer vaga de emprego na sua empresa algo realmente interessante, o que vai te permitir sempre ter melhores trabalhadores.

Simplificando: de nada adiantará você ser super aplicado em mil métodos de organização e planejamento estratégico de trabalho, se não consegue garantir valor material concreto para os seus trabalhadores.

Dito isso vou adentrar em outro modelo de organização, agora profissional e financeira:

1 – Pense o plano de cargos e salários dos seus trabalhadores de maneira que o trabalhador mais chão de fábrica possa alcançar, por tempo de serviço ou incremento de aprendizado, um salário similar a um trabalhador com especialização universitária. Por que não, seu encarregado de obras com 30 anos de empresa ter um salário igual o de um engenheiro pleno?

2- Garanta ao estagiário o direito ao aprendizado, tenha como meta um sistema de formação. Isso é algo básico do ser humano, aprendemos e ensinamos o trabalho, assim garantimos o legado.

3- Dê créditos a quem traz inovação, mesmo que seja o seu agente de limpeza do ambiente, se ele criou algo que gerou valor para sua empresa, valorize ele ao invés de assumir isso como autoria da corporação onde você (o dono) é a principal estrela.

4- Os tempos imperiais já terminaram, não escravize ou trate ninguém como escravo. Exemplo: pião não é categoria de trabalho, seu funcionário tem nome e tem expertise, trate-o como o profissional que é e te garanto que os resultados serão bem melhores pra você.

Com o básico, uma boa agenda já te organizará mais que um monte de aulas de coaches.

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Arquitetura e Urbanismo, política

Agbogbloshie, Gana, a questão dos subúrbios, metrópoles e exploração

A questão da cidade é global. Estamos acostumados com os grandes estudos metropolitanos que envolvem mega arquiteturas, grandes intervenções urbanas, entre outros. Hoje queria apresentar uma questão peculiar, mas não menos importante.

Agbogbloshie é um subúrbio de Accra, cidade de Gana. Primeiro pra contextualizar, estamos falando de um país da África Oeste cuja história é demarcada por violentos processos de colonização, exploração de recursos e escravidão. Estes processos seguem até hoje, quando, dentro das lógicas da divisão internacional do trabalho, o país segue como produtor de minérios e agricultura e como um grande consumidor de produtos industriais de segunda ou terceira mão. E é nestas condições que vamos partir de Gana, um tipo de país de subúrbio global para Agbogbloshie, um subúrbio de Gana.

Num dado momento, o País propôs incentivar, como tentativa de abastecer o mercado interno, a importação de eletroeletrônicos usados (como faz com automóveis por exemplo). Uma proposta que, vista sem crítica, parece inocente e até promissora se transformou em um dos maiores problemas do país. Hoje, Gana abriga um dos maiores lixões de eletroeletrônicos do planeta, servindo de escoamento internacional para este ciclo de mercadoria. Falamos aqui de um ciclo que ainda é alimentado pelo movimento da obsolescência programada, criando um dos maiores problemas humanitários da região.

Uma quantidade significativa de cidadãos Ganenses sobrevive de um verdadeiro comércio de lixo tóxico, resultado de um descarte que para maioria de nós é invisível. A propaganda da sustentabilidade nos vende uma gama de discursos sobre indústria carbono zero, elementos reciclados, baixo consumo de água, mas pelo visto, são regras e códigos que só aparecem nas fotos do Vale do Silício. A imagem de simplicidade expressa no New Balance do Steve Jobs ou no Brunello Cucinelli de Zuckerberg cujo luxo silencioso esconde o silencio do lixão do Silício.

Aqui gostaria de propor um pensamento singular. Por um momento abandonemos o conceito de cidade ou metrópole como assumimos em nossas mentes e vamos realocar as fronteiras pelos fluxos e redes. Por um determinado recorte de tempo e espaço, Agbogbloshie é uma periferia de uma metrópole do Vale do Silício, sua destruição é aceitável desde que a roda da fortuna gire e a sustentabilidade se dará apenas sobre o meu quintal. Esta leitura que falseia o próprio senso da natureza, onde o todo é um só indivisível e onde não há um fora. Este subúrbio que é resultado de um movimento político internacional pesa, e pesa ainda mais quando está em um País que exporta ouro, pedras preciosas e demais minérios.

É possível que o custo do luxo silencioso de uma camisa do Zuckerberg mate a fome por um dia dos moradores de Agbogbloshie. Esta é a metrópole que me proporei a debater em breve, uma metrópole cujas principais fronteiras estão nas redes de poder que a impactam.

Foto de Andrew McConell para o jornal The Guardian.
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Arquitetura e Urbanismo, política, rio de janeiro, Subúrbios

Mais um olhar suburbano sobre a cidade

Vamos fazer aqui algumas associações. Primeiramente, partir do conceito de capital, esse tipo de sujeito que movimenta o mundo. Para Marx (vamos resumir grosseiramente como) um tipo de valor que empregado em algum processo retorne ampliado ao proprietário (o lucro). Vamos agenciar isso com desejos, com vontades de poder, e outras coisas mais.

Quando o mundo opera e amarra materialmente as necessidades materiais e subjetivas do ser humano a produção de capital e a aquisição de renda, ele vende que: basta conseguir acumular capital que você vai ter conforto, vai ser feliz, vai ser amado, desejado, virar referencia. Esse é o mundo que se vende, porém ele esquece de te dizer que a acumulação do capital é relacional: pra um estar bem alguns precisarão continuar ferrados. E não está na pauta das dinâmicas do capital a solução do todo. Logo, você está num ciclo de sorte e fortuna: nascer herdeiro, ganhar na loteria, por um acaso se tornar um craque em algo que transforme você num objeto de valor, fazer parte de algum nicho de exclusividade te trará o bem-estar, caso não aconteça, vai fazer parte do ciclo que precisará lutar dia a dia pra sobreviver enquanto vai viver bombardeado de dizeres que vão tentar provar que voce vive e está no lugar errado de se estar.

O problema é: E todos os que não estão nesta situação? Viverão o infortúnio. Uma questão que pesa, desde a morte de Deus em Nietzsche, o ser humano perdeu também uma certa pacificação transcendente institucional, a recompensa que está no além túmulo. Esta recompensa que servia como moeda de troca diante da violência sofrida pelos trabalhadores escravizados para construir pirâmides, templos, cidades megalomaníacas, se esvaiu e sobrou a exploração e o trabalho. Vamos ver o trabalho como um lugar, o lugar do pobre no capital. Mas também proponho que pensemos o mesmo como uma arma de luta.

É mister pensar, quando Cidinho e Doca cantaram pela primeira vez: Eu só quero é ser feliz, morar tranquilamente na favela onde eu nasci e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Há algumas leituras possíveis, não sei dizer ao certo o que pensavam, se apenas na paz e conforto da vida, se pensavam na busca de igualdade de tratamento, porém quero aqui subverter um pouco alguns conceitos e debruçar sobre a frase para armá-la.

A busca da felicidade, do amor do conforto psíquico, o desejo de afeto, é sobre isso que se trata a primeira parte. Um direito que parece banal, mas que nos é tirado e é perceptível em qualquer levantamento de dados de doenças da mente o quanto a desigualdade social refletida na forma como a violência é espacializada. Na segunda parte, uma cobrança, qual é o lugar do pobre? Um olhar colonizador trata a música como uma aceitação, porém, o sujeito que canta a música é o próprio pobre na busca de um direito. A frase não diz a priori sobre aceitar o lugar que foi imposto ao pobre, ela se abre sobre a cobrança do pobre de que aqueles que o exploram terão de aceitar nos seus lugares.

Se o funk melody tendia a falar sobre cantos de paz, um pouco de afeto e o direito ao seu lugar na terra, o funk contemporâneo segue traçando novas contradições, mas como cantou mc kevin: “Eu vim do funk, sou favela, mato e morro por ela”, expõe hoje como Bezerra da Silva expôs num passado recente a contradição desse capital. No fundo, todos buscando uma saída pra si com os códigos e condições de possibilidades que estão dados no espaço onde se encontram.

A frase do Senador americano Marco Rubio diz muita coisa sobre um problema que temos de enfrentar: “As vendas de armamentos são importantes não apenas pelo dinheiro, mas também porque proporcionam influência sobre comportamentos futuros”. A máquina de guerra dada está aí: os mesmos senhores da guerra que fazem fortuna e controlam comportamentos a partir da venda de armas vão condenar arbitrariamente todos que eles quiserem condenar. Seu filho pode aparecer no Datena com uma arma ou um guarda chuva, pode ser avião ou estudante, ele sempre vai ser condenado ou suspeito, vai morrer de tiro porque a opinião pública não está nem aí.

Adriano Imperador vai ser criticado por ser rico e decidir morar na favela, os MCs da ostentação serão criticados e rechaçados por ganharem dinheiro e decidirem morar na Barra da Tijuca. Mas os críticos são aqueles que até podem querer ir no baile da Penha a noite mas não vão querer morar na Merendiba e pegar o trem pra trabalhar no centro todo dia.

Assim, proponho deixar um flanco aqui aberto, pensar nosso espaço sem romantismo, sem culpa e com a crueza da vida. Lembrando Bezerra: “As coisas na Terra estão mal divididas, o pobre levando uma vida bandida e comendo mais o pão que o diabo amassou”. É isso, planos diretores, macro textos só servem até onde a cidade legal garante direitos, ali onde a cidade legal nos esquece, eu quero mesmo é aprender com Bezerra da Silva como entender, operar e modificar a cidade. A cidade é minha arma de guerra.

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Arquitetura e Urbanismo, política, trabalho

Sobre o trabalho do arquiteto

A crise da construção civil traz à tona o discurso de desregulamentação do salário-mínimo profissional de arquitetos e engenheiros. Entre os argumentos mais falados entre arquitetos (leiam, entre nós) sempre se citam os pequenos escritórios que não conseguem arcar com os custos empregatícios de profissionais devidamente registrados. Me aterei a esse recorte no momento.

Estes mesmos pequenos escritórios sofrem também com a tributação excessiva e com os gastos em softwares e hardwares para manter-se vivos, e isso denota uma coisa importante: a crise não é por conta do trabalhador, mas por conta da má inserção do arquiteto no universo jurídico empresarial do Brasil. Quaisquer escritórios são tratados e vistos como uma construtora ou grande empresa de consultoria e não pelo perfil do profissional liberal como médicos ou psicólogos, que podem ter seus pequenos consultórios.

Sobre o caso do trabalhador no ramo de serviços, há uma questão viável de se fazer, os arquitetos podem compor um contrato civil entre as partes e ser pagos por prestação de serviços, o que isso acarreta é basicamente uma mudança de cultura de trabalho, pois não caberia mais a cobrança por CLT e sim por serviço entregue, visto que não há vínculo empregatício.

Quanto aos tributos, este sim é o grande entrave que ninguém aparentemente quer tocar. Inventam-se meios e subterfúgios, mas a realidade é que um pequeno escritório NÃO DEVERIA SER TRIBUTADO COMO UMA GRANDE EMPRESA DO CAMPO DA CONSTRUÇÃO CIVIL. Ao que parece a reforma tributária não prevê uma mudança nisso, correndo ainda o risco de haver uma maior tributação sobre o profissional liberal e com isso uma pane no campo da profissão.

Como, diferente da engenharia, que se manteve no canteiro de obras e se fortaleceu enquanto categoria hegemônica na construção civil pesada e na indústria, os arquitetos se tornaram um item de serviço que muitas das vezes se vende pelo luxo e pela exclusividade. Isso para o mercado é um prato cheio a favor da precariedade, nós mesmos criamos um campo oferta e demanda de serviços que é muito mais de nicho social que de massa.

Somado a isso tudo ainda temos os altíssimos custos de um sistema de ferramentas que nos cabem: pacotes proprietários de softwares que cobram preços anuais astronômicos por exemplo. Todo o desenho de sistema é dado para que se crie alguns pouquíssimos grandes conglomerados de projeto. Como um campus industrial da arquitetura e urbanismo, que aglutinará projeto, gerenciamento e acompanhamento de obras. Estes subcontratarão arquitetos por pequenas demandas (encaixando legalmente na lógica de contrato civil). Com isso, a hegemonia de controle da profissão estaria completamente domesticada por meia dúzia de grandes bilionários no mundo a fora. Não é ilusório pensar nisso em um planeta onde a disputa de controle territorial é travada de forma cada vez mais severa.

Assim, retomo uma tecla que sempre bato, o que o brasileiro médio não consegue compreender é que o recorte classista da sociedade inclui ele – o pequeno profissional liberal – no balaio dos explorados, para que uma casta de grandes donos de capital consiga manter seus privilégios.

No campo ampliado da arquitetura, o projeto parece claramente o mesmo de sempre: a constituição e manutenção de um determinado grupo privilegiado que, ainda assim, sofrerá danos materiais. Estes danos serão repassados em uma manifestação contra os donos do capital do Brasil? Provavelmente não, estes irão estourar na massa de arquitetos sem sobrenome famoso no meio, sem dinheiro e contatos para ir a congressos e afins, arquitetos estes que acabarão hiper explorados ganhando salários de estagiário premium e muitos destes quietos pois sonharão que um dia pertencerão ao tal ciclo privilegiado. Porém, sem um embate real com as políticas trabalhistas vigentes, a tendencia é isso virar um ciclo vicioso de escritórios mambembes que entregam projetos e obras de pouco esmero realizados por trabalhadores hiper explorados e nada recompensados (nada muito diferente do que já acontece na educação com as escolas privadas).

Este é o charco diário na cabeça do trabalhador. Ainda somos uma categoria que se enquadra numa certa classe média brasileira, e infelizmente isso coloca as possibilidades reais de luta em uma letargia sem fim. Vamos seguir tomando prosecco no último baile da ilha fiscal enquanto o Brasil pega fogo.

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Arquitetura e Urbanismo, cultura, rio de janeiro, Subúrbios

Penha: sobre sua Pedra edificarei o meu lar

Pouca coisa é mais terrível no debate de formação e de cultura dos subúrbios que o apagamento do protagonismo negro na construção do solo.

É comum contarmos a história da paisagem suburbana vinculada ao imaginário das casas de porte neocoloniais, na formação dos trabalhadores fabris, em geral imigrantes europeus e na glória de grandes beneméritos que investiram num lugar.

Concordo que seja plausível contar a história da Zona da Leopoldina citando nomes como Capitão Baltazar, família Nunes ou Álvaro da Costa Mello, porém esta leitura esconde a força que riscou o chão sendo capaz de consolidar a peculiaridade e identidade que o abraça.

Era na festa da Penha que os citadinos espacializavam a região. Os escravizados ocupavam a base da pedra e ali construíam sua realidade, seus batuques, sambas, rodas de capoeira. A festa da Penha fora por séculos um fervo de expressão cultural com impacto geográfico. O mesmo porto que escoava a produção agrícola, trazia romeiros. A rua dos Romeiros demarca até hoje em traçado o encontro do mar (do porto maria angu quem sabe) até a Penha onde fora erguida a Igreja.

Nos importa lembrar sempre que: Penha não é Vila da Penha, ambas são fundadas por “penhas” distintas diga-se de passagem. Apesar disso, se encontram na avenida da arte. Noel, que era de outra Vila muito cantou sobre a Penha. Fico a pensar que anos mais tarde, a vila de Noel leva um dos mais imponentes sambas enredos do carnaval para a passarela Darcy Ribeiro. Seu compositor, Luís Carlos que era da Vila da Penha.  Alguma coisa realmente acontece na nossa vida quando a gente cruza a esquina da Rua dos Romeiros com a Brás de Pina, admiramos o Parque Shangai e sua jóia de carrossel, gostamos do comércio e vemos o povo nos corres do BRT, do alto Nossa Senhora da Penha nos observa quieta.  

Os pés que marcaram a rua dos Romeiros definiram o traçado urbano daquela região antes mesmo que qualquer administrador público o fizesse oficialmente. E quem haverá de contestar? Claro, esta não é uma história romântica, é a história crua de formação de uma região onde a repressão sempre foi forte.  Apesar de tudo, o chão da Leopoldina venceu e seu povo segue resistindo através dos seus modos de habitar.

A Penha, como qualquer recorte de Rio de Janeiro, representa em alguma escala esse emaranhado que compõe o solo brasileiro.  Aqui faz-se legal rememorar Espírito da Luz, o sambista anônimo de Rio Zona Norte que coloca o dedo na ferida do recorte geográfico etnocentrado no homem branco médio. Em tempos em que buscamos um novo marco civilizatório, é imprescindível que histórias como esta sejam contadas sem o enviesamento da branquitude. É, entre outros, a festa da Penha, o aquilombamento, a sociabilidade, dos negros que viabiliza o uso e a ocupação urbana da zona da Leopoldina e não o contrário. É através da força deste povo que esse território ganha valores culturais capazes de torná-lo especial, singular e aprazível.

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Arquitetura e Urbanismo, política

Condominialização da vida

Uma das grandes contradições das relações entre espaço e sociedade se dá na busca do condomínio fechado. Nós urbanistas estudamos e entendemos os riscos e problemas que este modelo traz nas cidades, porém sempre fica a questão: Por que estes modelos seguem vingando?

Neste momento vamos pensar sobre alguns pontos: segurança, igualdade e qualidade de vida.

O que a maioria dos condomínios vende é uma vida com lazer “urbano” controlado, destinado a um determinado grupamento de moradores selecionados pela capacidade de compra destes imóveis. A vida vendida nas propagandas garante isso, a segurança e conforto é produto da capacidade de gestão de iguais sob um mesmo território murado. A vida fora dos muros é o risco, o medo do outro, do diferente, do imigrante.

O que o condomínio fechado nos mostra com isso é que a relação de qualidade de vida que nos sistemas do capital neoliberal é destinada a alguns poucos têm preço. Para seguirmos em frente vamos observar um pouco o que o modelo neoliberal nos traz:

O modelo se sustenta por um pequeno grupo de mega ricos cuja flexibilidade e poder econômico os permite escapar das muitas relações nacionais de controle social e econômico, temos um grupamento razoável de trabalhadores que se inserem numa lógica de classe média: a quem é destinada a alegria a partir de pequenos consumos, e a quem incide boa parte das tributações que pagam o estado. Por fim, temos uma massa de pobres, cujo poder de consumo é mínimo ou zero, cujo controle se dá pela manutenção do mínimo do mínimo para a sobrevivência destes. Resumindo, o sistema constrói um Estado realmente desigual e incapaz de resolver seus problemas.

É jogado a sociedade a resolução dos problemas por si mesmo, cada um que se resolva. O sistema se torna capaz de flexibilizar suas soluções justamente porque ele aliena a lógica de oferta e demanda devem caminhar juntas na solução de problemas vitais. Não precisamos construir habitação para toda a população, vamos construir X habitações e cada pessoa com seu recurso que tente adquirir sua moradia.  

Quaisquer modelos de governança que visem políticas sociais, seja a social-democracia seja o próprio comunismo é logo traçado como ofensa ao direito individual do cidadão enfrentar por si só o seu caminho.

Agora voltando a contradição: o modelo de condominialização vinga porque ele promove exatamente alguns dos conceitos da justiça social ou do comunismo. Em um microcosmo ele produz espaços de qualidade de vida a um grupamento de cidadãos com igualdade de renda, identidade, conceito de vida. Garante-se o controle de invasores ao ecossistema e por sua vez a segurança.

O que o condomínio nos ensina de interessante é que a segurança está muito relacionada com a capacidade de uma vida igualitária, esta é a busca daqueles que se encantam com a proposta da vida condominial.  Ironicamente um dos desejos de conforto humano se consolida naquilo que o pensamento da esquerda propõe, da Deleuziana até o mais ortodoxo dos modelos, a igualdade.

O condomínio se transforma nesta válvula de escape social, a busca de uma vida comum que de comunitária não tem nada. Se torna um espaço estéril, onde a igualdade entre os que coabitam é construída pelas ferramentas de controle dos grandes investidores (que modelam o negócio).

Assim, o condomínio e a condominialização da vida tentam trazer uma falsa solução aos problemas que ninguém parece ter interesse de resolver, como por exemplo, recuperar as relações de vida comum e vida pública da sociedade garantindo o direito de igualdade de tratamento a todos os cidadãos.

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Arquitetura e Urbanismo, brasil, Subúrbios

Casas de vó e um design do cotidiano

O campo da arquitetura de interiores e design de interiores possui uma dinâmica acentuada no que diz respeito a tendências, modas, novidades tecnológicas entre outros. Em geral, seus postulados acabam por definir o que é elegante e o que está cafona, o que é belo e o que é feio em um determinado recorte de tempo e espaço. O que chega para as massas consumidoras, vindo de revistas e magazines especializados, blogs, propagandas e até programas de TV cujo eixo central é a reforma de uma casa ou compartimento, reflete este universo sob o qual gira o campo de trabalho de reforma de interiores, e por sua vez alimenta a rede social de desejos.

Quem não quer ter a casa bonita e aconchegante? Precisamos porém, lembrar que, a beleza tem história, e seus signos são construídos no tempo. Para tanto, é necessário desconstruirmos o sentido de beleza condicionada ao exclusivo, a itens de difícil acesso que por sua vez, acabam sendo um instrumento de poder.

Um exemplo: As tão desejadas casinhas brancas de Mykonos tem sua estética determinada pela mesma técnica de pintura que hoje em dia marca uma enormidade de casas mais populares do Brasil, a caiação. Aquele mesmo azul e branco que remete uma memória de rua de avó, de vizinho pintando calçada ou tronco de árvore (não faça isso).

Quintal de vó – por: Rafael Jardim – link: https://flic.kr/p/BNUfU

Aconchego é um termo que se associa a acolhimento, a afeto. É possível termos cantos de afeto e ao mesmo tempo belos? Entendo que sim, se formos capazes de desnaturalizar a noção de belo relacionado a elementos externos ao afeto, ao acolhimento. É por este prisma que gostaria de apresentar as casas suburbanas como uma possibilidade real de beleza, a beleza de uma decoração construída historicamente pelas condições de possibilidades e pelos afetos inseridos no habitar.

Entre as inúmeras coisas que casas de subúrbios e populares nos ensinam, uma delas é que cada peça de decoração pode ser escolhida e concebida por fatores dos mais distintos que vão desde a utilidade até o humor. Dos populares filtros de barro, hoje considerado um dos mais eficientes e ecológicos filtros, até as fotos de família na estante ou parede, cada detalhe reflete um pouco de história ou causo da vida dos que habitam aquele lugar. A harmonia da casa está na organicidade da relação objeto, espaço e tempo, muito mais do que no arranjo de formas, paletas de cores, estilos, materiais.

Você pode ter um aparador mais modernoso comprado em uma loja especializada em móveis com design, e por em cima as fotos de formatura do filho em uma moldura adquirida na Praça 2. Talvez isso não pareça caber nos cânones de quem escreve o “bom design de interiores” mas isso cabe na história de sua família que teve naquele filho o primeiro membro de gerações a ter um curso superior. Filho este cuja avó poderia ter sido uma escravizada que seguiu sobrevivendo semianalfabeta. A foto é uma conquista e o aparador uma mesa expositiva. Não tem quadro de milhões do Romero Britto ou Mondrian que faria mais sentido apoiado naquele aparador do que aquela foto.

Da mesma forma, esta possibilidade não cabe numa estética pastiche ou forçada. O item aparece lá sem imposição regrada, pois a regra não é o item, mas a capacidade deste acolher, simbolizar, representar um valor que seja para os que ali estão. Um pé de amendoeira que cresceu contigo, um pedaço de memória solidificado num ferro velho, uma ferramenta que pertenceu ao seu avô, ainda que hoje já não pareça ser eficiente, a mesa comprada a duras custas naquela loja de móveis do bairro que praticamente nem existe mais. Tem história no quadro decorativo de autoria anônima vendida na loja de conveniências, uma história que não saberemos de uma ou algumas mãos que produziram a peça, talvez em linha industrial, talvez manufaturada, tem a história de trabalhadores comuns que vivem seu cotidiano e que nunca saberão que sua costura ou sua pintura estarão expostos em uma parede em Olaria.

Outra questão importante de posicionarmos é o humor. Por que não falar de peças de decoração que se propõem interessantes pelo lúdico e diversão? uma luminária feita com algum pedaço inusitado de automóvel, abridor em forma de pênis ou cadeira que servirá para fazer uma pegadinha com algum parente no dia do churrasco. Itens que se enquadram nesta busca parecem um conjunto de inutilidades. Estes itens por sua vez buscam uma relação de sociabilidade própria, com base na diversão, no fazer graça com o próximo, muitos destes itens tem vida efêmera, outros permanecerão sempre a postos para gerar o riso de uma visita de primeira viagem.

As casas tem destas coisas, um misto de casa com oficina, onde a mesa de estudos da criança é uma mesa velha de botequim que fica armada na varanda e que seus avós bebem a tarde contando causos à sombra da mangueira. Onde o pote de sorvete ou a lata de tinta servem como apoio para o labor do plantio das mudas que logo virarão belas árvores no quintal, onde pelo menos um dos quartos quase nunca fica arrumado e nada parece combinar com nada, mas no dia a dia tudo parece ter um sentido.

Assim como há uma espacialidade e arquitetura do cotidiano, podemos dizer que há um design do cotidiano já consolidado cujos elementos merecem e devem ser valorizados. Saber observar os itens, enxergar seu sentido histórico para aquele ambiente, e saber compor com ele muitas das vezes nos permitirá criar resultados tão belos quanto quaisquer desenhos de interiores produzidos usando peças de marcas tradicionais do ramo.

Casas de vó são casas repletas de afetos e reminiscências que habitam num cantinho especial em nossa mente, muitas das lembranças sequer refletem o que era a casa real, e muito do que amamos em nossas lembranças podem representar a peça mais efêmera que existia. Peças que talvez, no desejo de nossas avós, elas sonhavam em trocar todo dia por uma da moda mas não conseguiam porque não tinham dinheiro.

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Arquitetura e Urbanismo, brasil, cultura

12 de outubro – Nossa Senhora da Conceição Aparecida, uma reflexão sobre o espaço.

O Brasil profundo se encontra e se reconhece em Aparecida. Na basílica onde multidões buscam um milagre, um sinal, uma recompensa ou uma simples esperança do cotidiano. Hoje também é dia do Cristo Redentor (o filho) e arquitetura/escultura símbolo da cidade do Rio. Dia 12 de outubro o país conecta sua religiosidade, sua espacialidade, seus territórios e seu cotidiano.

É comum gastarmos esforços e discussões sobre a produção do espaço pelos mais diversos parâmetros econômicos e materiais. Estudamos a viabilidade, mobilidade, eficiência, capacidade de produção e de investimentos. Pode ser, mas o habitar é uma teia complexa, que passa pelo material mas não só por ele.

As múltiplas Nossas Senhoras que existem no mundo, são referência a uma mesma santidade católica, Maria mãe de Jesus, cujos nomes diversos expressam um momento ou um lugar especial. De certa forma, Maria, que para o catolicismo tem o papel intercessor entre o Cristo e a humanidade, também constrói socialmente esta imbricada relação de pertencimento social do ser humano com o lugar. O espaço ganha importância e sentido a medida em que nele se firma a aparição, seguido do primeiro milagre, do burburinho social e da peregrinação capaz de transformar o espaço ermo em lugar de encontro.

Este é um indicie importante para pensarmos nossa capacidade de ocupação dos espaços: onde estão nossas conexões de importância com ele? Seja Nossa Senhora Aparecida conectando o Brasil ao Paraíba do Sul, seja o Cristo Filho e Redentor conectando a Mata Atlântica com a vida cosmopolita de uma cidade metrópole. O viés da ocupação que acontece pelo cotidiano das experiências populares podem trazer respostas para a desconexão que há entre a maneira como pensamos as cidades e o resultado final de seu uso e ocupação pelas pessoas.

Claro que podemos fazer a leitura a partir dos eixos de poder e controle, da interesse da igreja católica (enquanto instituição), mas isso não seria possível de acontecer sem o movimento capilar do povo. Por conta de nossa capacidade de construir significação para além do que os olhos veem, produzimos redes que nos permitem imaginar, sentir, produzir arte e criar os laços da vida humana. Tanto o evento miraculoso de Aparecida que funda uma cidade, quanto o Cristo Redentor que do alto do monte nos observa, ambos apontam para os desejos humanos de construir e relacionar suas vidas com o simbólico e afetivo.

Maria em suas múltiplas representações se conecta a Pachamama e dialoga com Onilé nesta busca humana pelo signo da fertilidade na Terra Mãe e Morada de todos nós. Nesta linha que o urbanismo, enquanto ciência surgida entre o século XIX e XX encontra sua limitação por separarmos a terra de nós mesmos e de nossos sagrado, e implementa caminhos piores ao torná-la um produto mesurável financeiramente. A história humana é um desenlace milenar de experimentos e de comunicação do ser entre os seus e do ser com a Terra. São múltiplas as linguagens que um dia se estabeleceram, se modificaram ou se esvaíram, algumas completamente, outras deixando rastros e vestígios.

Quando um rio morre para melhorar a eficiência de uma mineradora, uma parte de nós morre com ele, atualmente aceitamos isso em nome desta visão que busca o progresso constantemente, mas não teríamos a mesma ação se considerarmos a importância divina deste rio como parte de um todo que nos constitui. Compreender a ocupação dos espaços e a espacialização dos territórios por um viés distinto do que nos é hegemônico hoje nos ajudará a constituir outras histórias para a formação de nossas cidades, muitas das quais estão no subterrâneo dos saberes a espera da investigação que as traga.

Quantas estradas, caminhos, vielas não foram abertos pelas cavalgadas dos peregrinos? Quantas histórias não ficaram por estes caminhos? Ruas, vilas e cidadezinhas que testemunham pedaços de vida de inúmeros anônimos cujos causos vão sendo lembrados por onde passam. Estas pequenas doses de fé costuram uma teia popular que conecta Aparecida, aos oratórios esculpidos por antigos artesãos, aos santeiros, aos pequenos alteres improvisados que garantem a proteção dos botequins, são muitos os espaços e dinâmicas que aprendemos com o povo.

Que neste dia 12 pensemos nossas formas de conceber, produzir e viver o espaço por outro prisma. Onde o olhar da criança que corre pela rua, ou olhar do adulto que peregrina e deposita sua fé, tragam indícios dos rumos a se tomar. Ao buscar esta gramática dos saberes e modos de vida do povo, vamos nos tornar mais capazes de constituir espaços onde o pertencimento e a possibilidade de construção das relações mais profundas que concebem o bem viver social apareçam. Convém a nós, compreender a gramática com a qual o povo escreve parte de sua história em um determinado tempo e espaço, para então construir nossas narrativas a partir desta comunicação. Quem sabe assim, consigamos sair do ciclo destrutivo no qual o planeta se encontra, não há resposta simples quando estamos diante da necessidade de reformulação de paradigma, mas devemos tentar buscar caminhos.

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Arquitetura e Urbanismo, rio de janeiro, Subúrbios

Praças e Parques para os Subúrbios

É notório que o mapa verde da cidade do Rio espelha seu recorte territorial classista. Assim como ausência de outros elementos de qualidade urbana, também nos falta a paisagem verde, o espaço livre e os respiros. Em meio a isso, vemos algumas operações interessantes acontecerem como o anúncio do Parque Municipal Nise da Silveira.

É com bom grado que observo a instauração do parque em questão, a derrubada dos muros e a ressignificação deste espaço que foi um elemento altamente segregador da sociedade. Há de se considerar por sua vez que o pensamento paisagístico e urbanístico deste parque gera um desafio importante, pois não devemos apagar a história. A solução a meu ver passa pelo olhar sensível dos movimentos que já atuam no lugar, perceber e trazer para o parque a qualidade do trabalho do hotel da loucura e do espaço travessia pode ajudar a dar esta reposta. Há de se ter cautela de não adentrar na produção do espetáculo, da arquitetura do eventismo e buscar a arquitetura da profundidade experimental e sensitiva que este lugar traz. O urbanismo pode ser uma aula viva da história que não devemos repetir, há projetos bem sucedidos no mundo em relação a isso, como por exemplo o memorial aos judeus mortos na Europa, ou Aushwitz, entre muitos outros. Precisamos pensar e trabalhar o tom e o espírito do lugar.

O Parque Nise somado a revitalização da antiga Universidade Gama Filho poderá fomentar e muito a qualidade de vida e interesse por parte da sociedade no entorno destas regiões, poderá fazer parte destes bairros reviverem um pouco do que um dia representaram na história desta cidade. O que me espanta é tentar entender porque este movimento e pensamento não perpetua nas demais regiões. Por que o projeto para o Parque Realengo por exemplo é substituir o parque por moradia condominial, forma de residência que já se mostrou incongruente para estes territórios.

É nítido que o interesse pelo lugar vem de seus atrativos, e neste sentido um parque permitiria que o bairro como um todo se valorizasse e voltasse a ser interessante para a população, fomentando assim o próprio movimento especulativo da construção de habitação. Sim, o recorte que trago tem relação com o próprio modo de operar do capital. Um modo que se tornou problemático pelo fato de que ele não necessita mais da pessoa física compradora de imóveis para se erguer, visto que o sistema de financiamento coloca os bancos, fundos privados, relações com os poderes públicos como protagonistas.

É preciso entendermos que, verticalizar só faz sentido para o consumidor se há pouca terra e grande procura. Antes de chegarmos a real necessidade de verticalização de uma região, precisaríamos ver uma demanda latente de interesse de se morar nesta região por exemplo. Isto falando apenas sobre o que é movimentado via mercado, pois sabemos que o grande problema habitacional do Brasil só é possível de resolver com política pública decente e concreta para tal.

A incongruência nas ações e pensamentos acaba que revela a falta de sentido no planejamento desta cidade, ou a falta de força atuante. Não há um plano coordenado de implementação de áreas verdes livres em uma cidade que vê áreas verdes como lote com potencial construtivo e viabilidade de negócios. Esta foi a cabeça de formação de boa parte desta cidade, para quem os grandes planos terceirizaram o traçado aos donos das glebas e seus desenhistas de loteamento.

O resultado disso traz possibilidades bem interessantes e desafiadoras a qualquer urbanista, porém ficam no campo das teorias pois quando é pensado a prática sobre o território, a decisão política segue a velha cabeça dos antigos loteadores. Mudam-se os donos de bairro mas não muda a política. Com base nisso somos impelidos a seguir vivendo em bairros que tinham tudo para ser aprazíveis, arborizados, caminháveis, festivos, e que se tornam só amontoado de pessoas tentando na micro escala resolver os problemas macro que são de responsabilidade direta do gestor público.

Que o Parque Nise seja um sucesso e represente a possiblidade de sua política ser replicada em diversas escalas onde mais couber. Que junto a ele a prefeitura desengavete projetos importantes como o Quinze Minutos Verdes (potente pra arborizar boa parte da zona norte) e a revitalização dos Cinemas de Rua. Junto a isso o principal, tenha coragem de enfrentar o sistema de mercado das terras públicas e de assumir o projeto de moradia para os mais pobres como eixo central de revitalização urbana desta cidade para que consigamos transformá-la numa cidade melhor.

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Arquitetura e Urbanismo, rio de janeiro, Subúrbios

AVENIDA BRASIL E CENTRO NO ALVO

O Rio de Janeiro tem vivido uma ebulição de movimentações especulativas que estão sendo lançadas separamente, mas que precisam ser lidas conjuntamente para melhor compreensão nossa. É notório que os atuais movimentos da prefeitura só terão resultado perceptível em um prazo longo de tempo. A prazo curto o principal movimento parece ser o realinhamento dos instrumentos da cidade para favorecer o setor imobiliário e de construção civil.

Citamos aqui apenas algumas propostas que nos permite pensar o que está sendo e o que será desta cidade daqui pra frente. Antes de mais nada, importante recortar que as condições de possibilidades desta escrita tem como base o que é publicado em jornais, magazines, círculos de debates entre outros.

Entre alguns movimentos:

  • Forte proposta de reaproximação do capital imobiliário no Centro da Cidade,
  • Aumento de potencial e interesse imobiliário para os bairros da Zona Norte próximos ao Centro e para os bairros da Zona Sul,
  • Venda de próprios públicos para a iniciativa privada, através de leilões,
  • Flexibilização de legislação e de parâmetros urbanísticos e de fiscalização,
  • Flexibilização de legislação de bens tombados e preservados.

Antes de adentrarmos, um elemento importante quando falamos das pressões da especulação, está na direção e sentido pra onde a cidade investe. O Rio de Janeiro pode ser lido (simplificadamente) por dois mega vetores de expansão, do seu centro caminhando para as praias oceânicas é definido o lugar da burguesia, das elites, das classes médias mais abastadas e do seu centro pro interior das baías (Guanabara e Sepetiba) é destinado aos moradores mais pobres, às indústrias e etc. Este desenho, que se iniciou ainda em tempos monárquicos, moldou o que Zuenir veio a chamar de cidade partida, e o que entendemos por cidade segregada.

Porém num dado momento, esta cidade que sempre teve seu Centro no seu recanto histórico de fundação, recebe com a proposta modernista de um levar sua centralidade para a Barra da Tijuca. Aqui, uma fronteira de disputas se abre e explica certos movimentos políticos contemporâneos. Pro carioca por exemplo, já é costumeiro ver o entra e sai de governos e ver que um ou outro território é a bola da vez dos grandes investimentos: Barra da Tijuca ou Região do Centro da Cidade.

Nos importa também colocar outra questão para o debate: A maioria das movimentos especulativos imobiliários não são feitos para atender as demandas materiais e diretas da cidade. Antes disso, eles se comportam como um dos atores que moldam os desejos que impulsionam esta demanda. Quem não conhece uma história de um parente que tinha terreno na Barra e vendeu pra comprar uma casa na baixada porque a Barra só tinha mato?

É importante a gente não naturalizar este tipo de funcionamento do movimento imobiliário, vai nos ajudar a encaixar muitas peças. Entre elas algumas perguntas a serem feitas:

  • Faz sentido para uma cidade que não tem grande demanda de ocupação investir em maior verticalização e ocupação?
  • Faz sentido o direcionamento habitacional ser prioritariamente para classe média em uma cidade onde o maior problema habitacional está na falta de política para os mais pobres?
  • Nosso real problema é a falta de pessoas ou a hiperconcentração dos recursos das terras?

Projetos como o Reviver Centro ou a Zona Franca Urbana da Avenida Brasil, quando juntados com a venda de próprios públicos, entre outros já citados, dão a iniciativa privada a liberdade de moldar a espacialidade da cidade sem que haja necessidade de grandes diálogos com os demais setores sociais que compõem. Citemos aqui as palavras do secretário de habitação ao jornal CNN:

“A gente oferece uma área de zona franca e o setor privado pode definir o que pode ser feito. A ideia é que a gente tenha uma região muito livre, mas sem deixar de lado a preocupação com o patrimônio”, disse o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo”. ref: CNN(clique aqui)

Este pensamento redefine os modos de praticar o trabalho em urbanismo. Através dele assume-se o modus operandi protagonista do sistema privado de organizar, planejar e projetar o espaço. As ferramentas e operações propostas pela prefeitura promovem um caráter de gestão onde a lógica da iniciativa privada passa a ter um canal preferencial na construção do pensamento da cidade. Vale entender que isso não é novidade, o urbanismo sempre esteve nesta lógica: grandes intervenções em geral são frutos de grandes investidores privados. Se há novidade, ela passa pela readequação do instrumento estatal ao novo modelo de negócios.

Talvez uma diferença importante a cogitar está no fato de que, já faz tempo que a participação popular nas decisões sobre seu território fora minada, a bola da vez dos modelos atuais parece ser a participação estatal. Muito significativo de se perceber esse movimento a cada nova medida implementada, seja nacionalmente pelas propostas da reforma administrativa, seja no município pela redução do peso dos órgãos de controle, planejamento e fiscalização da prefeitura. Assim, mesmo que o novo Centro vingue, ele seguirá referenciado numa lógica financeira e econômica da Barra-tijucanização da vida que vigora nos dias atuais.

Há um ponto que é crucial. Não há debate real sobre o público, mesmo os grupamentos mais fortes de resistência que tendem a esta busca esbarram no desencaixe e imobilidade com relação ao povo. E este desencaixe atua de maneira firme. Se hoje um governo passa o trator pensado quase sem resistência ou contraproposta de amplo amparo popular, em muito se deve ao descaso ou falta de interesse ano a ano dos grupos organizados em lidar com as questões da cidade de forma mais ampliada.

É curioso ver como por exemplo, setores mais progressistas desta cidade deixaram parte significativa do território mais pobre ao relento de políticas clientelistas que ocorriam praticamente invisíveis da opinião pública. E foi neste setor de controle clientelista que a base simbólica do modelo de cidade atual foi legitimado. Foram anos de venda do sonho Barra da Tijuca, quem não lembra das famosas crises entre os Emergentes da Barra (termo usado pra distinguir esta classe média em ascensão da tradicional classe média zona sul)? Assim o que temos hoje? Uma parte importante de resistência organizada, muitas das vezes de base também na classe média que não consegue se aprofundar nos códigos das populações mais pobres pra entender quais são suas reais demandas, anseios, símbolos.

Se o sonho americano é a casa em um suburb, o sonho carioca a partir dos anos 70 é morar no condomínio próximo ao mar oceânico, passear no shopping, curtir a tardinha no bar famoso. Nisso o Centro também perde simbolicamente, afinal, as águas do Porto Maravilha são as mesmas da Praia de Ramos.

A volta ao Centro não mobiliza tanto as massas mais pobres da cidade, o que é uma tragédia pois se há um vetor de crescimento e renascimento para o Centro seria justamente romper com a lógica das distinções sociais e trazer os mais pobres para ele, o que permitiria uma dinamização econômica da cidade pela cidade, pelos seus cidadãos.

Este desencaixe causado pelas disputas entre barra e zona sul, entre movimentos predominantemente de classe média organizados progressistas e retrógrados torna os debates ainda mais difusos, pois parte vulnerável da cidade fica a mercê de qualquer loucura. Para um lado da cidade qualquer proposta pode rolar (vide um BRT) e fica fora da agenda de discussão e de defesa pelos setores organizados. Este debate fica enfraquecido pela ausência de um movimento de massa, o que torna toda discussão muito mais complexa.

Outra coisa pesa nestes projetos também é a escala em que as coisas acontecem e isso é histórico. Para haver interesse do setor privado, é preciso haver possibilidade de lucro, e isso muitas das vezes se dá no aumento da escala. Porém, os exemplos mostram que este tipo de operação demora décadas pra se consolidar e nem sempre dão o resultado prometido. A abertura da Avenida Presidente Vargas por exemplo, que ocasionou a expulsão dos mais pobres para as áreas suburbanas reflete bem isso, até hoje a avenida não teve seus vazios urbanos plenamente preenchidos, não se contemplou como tal, o Porto Maravilha (este mais recente) também não. Sinais de uma cidade que não tem esta demanda toda que se deseja e em nome da qual leiloará próprios públicos e flexibilizará legislação.

A enunciar uma propaganda:

A Avenida Brasil vai voltar. Uma das propostas do novo Plano Diretor da cidade é criar a Zona Franca Urbanística (ZFU) da Avenida Brasil. Isso significa que, numa faixa de 500 metros pra cada lado da avenida, não haverá parâmetros urbanísticos fixos e os pedidos de licença pra construir nos terrenos serão analisados caso a caso.

O objetivo dessa liberdade é facilitar projetos imobiliários nas proximidades da avenida, tanto residenciais quanto comerciais, pra reverter o esvaziamento e a degradação urbana que já duram pelo menos três décadas.

O que a prefeitura do Rio faz é dizer a sua população que parâmetros urbanísticos atrapalham. Também assume que o protagonista das soluções urbanas é a iniciativa privada do setor imobiliário apenas. Este mesmo setor que no primeiro governo Paes, a época do Porto Maravilha e do MCMV direcionou seu olhar para as glebas baratas da Zona Oeste, e alguns pólos industriais da Zona Norte, criando condomínios em quaisquer cantos sem os devidos cuidados urbanos, paisagísticos e arquitetônicos. Já falei um pouco em outros textos, como o Pilhagem Urbana do Rio.

O que fazer?

Bom, o primeiro passo é iniciar o longo processo de reencontro com a sociedade. Não basta apenas resistir se não formos capazes de construir uma proposta diferente. Proposta essa que passe por todas as frentes de debates, desde processos administrativos mais abertos que fujam do viés purista estatal x privado até o pensamento técnico científico mesmo, discutido in loco com o morador da cidade. Precisamos parar de falar da favela sem incluir na roda de conversa por exemplo.

Precisamos também dar viabilidade técnica para que propostas de pequena e média escala sejam interessantes. Não há mais espaço cabível na atual crise global para que todo o sistema econômico da construção civil gire em torno de megaempreendimentos. Assim como também é antiquado no mundo acreditar que as soluções sairão da prancheta de um ou dois grupos determinados. Precisamos retomar os esforços deste confronto e colocar a contradição da sociedade na mesa de discussão e de construção das propostas.

É importante discutirmos o dinheiro. De onde vem, pra onde vai, quanto custa e como se consegue. É inaceitável ver uma placa de: Esta obra custou X milhões sem que seja clareado os caminhos que são traçados para que estes milhões apareçam na conta de quem quer que seja.

Para que isso ocorra é preciso retomarmos a discussão do espaço, da paisagem, do ambiente urbano na escala comunitária. Atuar junto a espaços de âmbito comunitário promovendo educação urbana e aprendendo também a respeitar e entender as formas de espacializar do povo. Não conseguiremos dar uma resposta concreta que se contraponha ao sonho carioca da barratijucanização sem compreender as bases materiais que hoje legitimam esse desejo por exemplo.

O campo da arquitetura e urbanismo precisa ter um esforço militante de sair de sua própria alienação junto a cidade. Não podemos reduzir as discussões sobre os grupos e territórios mais pobres do Rio: Favelas, Subúrbios e Baixada pelo romantismo ou invisibilidade. Pra um lado da cidade qualquer coisa serve. Precisamos romper com o Urbanismo colonizador que lá atrás definiu pra que lado a cidade rica habitaria e em que lado a cidade pobre habitaria. E para tal precisamos modificar os círculos em que discutimos, sair do entorno dos mesmos fóruns e dialogar mais com ourtos fóruns. O urbanista no Rio pouco se aproxima dos professores de geografia, pouco se aproxima das associações de moradores ou de um simples caminhar de lazer num parque da AP5. É preciso de nós, enfrentar as contradições com tranquilidade e diálogo, não reduzindo as discussões.

O traçado da cidade tem ligação direta com os atores que conseguem, num dado espaço de tempo ter poder pra trazer e implementar suas propostas. Aos pobres em geral cabe a sobra tática, sobreviver e levar a vida a base de gambiarras pra responder a ausência e aos erros das escolhas políticas. Se perguntar ao povo que Avenida Brasil o povo quer, o dia a dia dela já mostra a insatisfação. Porém bastou um dia da mesma fechada e vimos potência que estamos deixando pra trás.

Av. Brasil vira área de Lazer – O GLOBO – https://oglobo.globo.com/rio/avenida-brasil-interditada-transformada-em-area-de-lazer-12254913

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