rio de janeiro

Dicas de leitura sobre a cidade: 400 contra 1 Uma História do Crime Organizado.

400 contra 1 é um livro que geral deveria ler.

O trabalho autobiográfico de william professor, ao contar a história do nascimento do chamado Comando Vermelho desmistifica de forma muito simples algumas distorções que vislumbramos no senso comum.

Destacando algumas:

  • A primeira delas, o tal encontro entre presos políticos e presos comuns passa meio periférico no livro, demonstrando que pra professor este não foi um eixo fundamental.

Notar isso é importante em um país onde até esta história perpassa trazendo no imaginário uma espécie de encontro de iluminados fazendo um trabalho de base.

O eixo que professor demonstra com força é o fato de que sob a lei que prendia os presos políticos, pessoas que não participavam de nenhuma organização também sofriam das penas mais severas, porém, quando veio a anistia, a materialidade do racismo e classismo brasileiro se via no fato de que os presos políticos sairam e os presos comuns ficaram (embora ambos assaltasse bancos por exemplo).

Entre outros, professor demonstra como a construção do chamado Comando nasce mais em função da estrutura de repressão do estado e da necessidade deste criar um inimigo do que de um desejo das lideranças. Desejo este que fica sempre claro: conseguir a liberdade.

O livro é um papo reto, retíssimo, destes que a gente não gosta de ter por aí e por conta disso seguimos navegando no meio do racismo que marginaliza criando dicotomias que não solucionam nada.

Ler esta obra faz pensar muito, até detalhes que parecem bobos como a baixa presença de Bezerra da Silva nos setlists das rodas de samba.

Reflito como a gente cria imaginários de uma pretensa pureza ideal para tentar combater a máquina de propaganda racista que vende uma parte significativa da sociedade como criminosa, membros de facção, etc. Esquecemos de lidar com o humano das pessoas e com a materialidade dos problemas.

Por enquanto só esses pitacos, o livro é muito maior que isso e por isso recomendo muito.

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política

O volume morto do primeiro debate eleitoral

Assim como Assis não seria o mesmo sem Washington e Zico não seria o mesmo sem Júnior em campo, o debate da band mostrou o óbvio: faltou à esquerda neste ano o contrapeso e contraponto nos debates. O que parece ter transparecido: independente do que apareceu, as forças a direita já venceram esta eleição.

A esquerda se enterrou em um projeto único, embora tenhamos candidatos que se puseram na disputa, estes não passarão de 1%, pois a concentração está no projeto de poder do PT. Um projeto cuja contradição habita no fato de que: materialmente é a continuidade do sistema neo-liberal, cuja representação do acordo está no vice: Geraldo Alckimin, porém simbolicamente tem que se apresentar com a tinta de esquerda.

O debate mostrou a fragilidade da unidade personalista, enquanto a direita mostra seus mil tons e dá a oportunidade de seus eleitores escolherem o melhor gestor do pacote, a esquerda perdeu inclusive a possibilidade de dialogar sobre os temas mais delicados às pautas. Não tivemos um candidato falando de reformas estruturantes, de fim de teto de gastos, de recuperação dos direitos trabalhistas perdidos. Lula fala de dar MEI para entregadores quando deveria falar de dar emprego que os tire da precaridade.

Ciro, apresenta de forma muito tímida seu projeto de nação, fala em escolas sem falar no projeto de educação verdadeiramente emancipador, porém remete sempre ao povo que leia o seu projeto (o que sabemos que não acontecerá rs). Tebet tenta se posicionar como uma novidade, embora venha carregada pelo MDB, esta máquina de fisiologismo. Soraia e Dávilla parecem perdidos. Ainda assim, estes nomes: dávilla, tebet, soraia, pautaram e deram o tom do debate ao amplificar muitas vertentes de uma lógica liberal contemporânea de pensamento.

Ciro tentou debater o modelo de nação que temos, questionando o sistema político do Brasil que basicamente conforma o terreno para a corrupção como ferramenta de governabilidade. Cita o desenvolvimentismo, mas não explica bem o que significa e que diferenças tem do modelo atual e se foca muito na pauta de resolver a vida dos endividados, o que é super possível de fazer, porém é uma ação pontual dentro da proposta ampla de governo que nós esperamos conhecer.

Lula estrategicamente se focou em falar das benesses de seu governo, porém tropeçou quanto ao questionamento sobre o que será um Lula 2023? Ao invés de apresentar a proposta de saída retoma o básico: eu fiz isso eu fiz aquilo. Para o povo em geral, em especial quem acompanha debate, isso pouco significa pois todos sabemos que 2023 não é 2003, tem uma geração inteira na vida adulta que sequer viu FHC ser presidente.

A ausência de outras vozes de esquerda foi notória demais para o próprio campo que agora está se questionando. Este é o projeto, a escolha equivocada de movimentos e partidos de esquerda que decidiram por se apequenar nesta eleição e que agora reclamam inclusive do crescimento do neoestalinismo, que se apresenta como alternativa crítica pelo viés da esquerda. Claro que foi tático da emissora não convidar Leonardo Péricles (UP), Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB), sabemos que é de praxe. Isso levou o debate a transparecer, para o povão, como sendo: o Partido Novo ocupando o lugar que até então era do PSOL, levando assim a discussão para o espectro mais liberalizante possível.

O debate mostrou o interesse de três projetos de Brasil: um projeto neo-liberal que mantém o sistema pelo viés financeiro com base no agronegócio e outras comodities, isso é muito representado pelo Lula/Alckimin, Bolsonaro, e talvez Tebet, um sistema neo-desenvolvimentista que Ciro trouxe mas não explicou bem e um sistema utópico super liberal trazido por Soraia e Dávilla.

Ainda em tempo, curioso notar como o projeto de Dávilla e Soraia é antiquado, nem os capitalistas defendem isso a vera pois já sabem que é muito mais interessante ter o aporte robusto do Estado a seu favor e gerenciar apenas os lucros do negócio. Essa é uma das premissas de existência das parcerias PPP e é justamente para isso que o agro faz bancada e lava dinheiro com eventos de entretenimento.

Vangloriar o agronegócio como força motriz do Brasil é um equívoco, pois ele só está neste patamar porque somos um país sem desenvolvimento industrial nacional desde que o Plano Real foi aplicado. O povo passa fome enquanto produz alimento industrializado por aí. A gente (quem pode pagar) bebe soro químico embalado como leite a preços exorbitantes e entramos num ciclo vicioso que só está trazendo mais desemprego e fome.

O que vivenciamos foi um debate muito despolitizado, cujos temas mais necessários ao povo não foram sequer tocados, um show de horrores de pessoas que estão distanciadas demais do povo mais pobre. O Brasil seguirá na incógnita e isso nos obriga a trabalhar mais firme em pró de saídas que não estão tão dadas assim.

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política, Sem categoria

Brasil um país cujo projeto de vida é não ter projeto nenhum

Desde que a humanidade tomou consciência de si e constituiu sociedade que ela tem de lidar com os mais difíceis desafios da natureza. Construindo ferramental prático, técnico, teórico e científico para resistir e construir seus espaços de garantia de bem viver.

Impressiona como um país como o Brasil sucumbiu a um projeto de existência terminal, tornando-se incapaz de enfrentar quaisquer questões mais severas. Em mais de 500 anos de história de ocupação colonizadora, e milhares de anos de ocupação do território pela humanidade, nossa história é marcada pelo constante achatamento da produção científica e técnica e do conhecimento como um todo. Ensino de qualidade sempre foi um projeto excludente no país, as pouquíssimas tentativas de formação de educação de base com qualidade e democrática foram rapidamente arrasadas, tão logo tentava-se instituir. Esta construção de nação dá o tom da nossa sociedade, um país com projetos rasos e efêmeros, que pouco valoriza a capacidade técnica e que entrega a sorte e ao destino todos os seus.

A destruição de Petrópolis, uma das cidades símbolo da história deste país, se torna mais um capítulo desta tragédia chamada Brasil. Não há surpresa no acontecido, a real é que há negligência histórica em lidar com a necessidade de se planejar. A tragédia é o desfecho de uma lógica que atravessa todo o sistema do campo da construção deste país. Embora seja um dos campos de trabalho e mercado que são estratégicos para o giro da economia, ele sempre opera de forma leviana. Preferimos construir estádios a hospitais, preferimos construir megamuseus a sistemas de saneamento, preferimos entregar o valor da terra por aumento de gabarito a respeitar limites ambientais frágeis. Esta é a cara das obras e da gestão pública neste lugar.

A política educacional, nossa principal chave de mudança está também destruída. Escolas funcionam como depósitos de jovens sem perspectiva. O sistema de universidades se tornou mera ferramenta de arrecadação financeira para grandes corporações e formação de mão de obra pouco reflexiva, isso em um país que é incapaz de absorver sequer um terço desta mão de obra formada. São décadas em que o projeto é achatar a produção de conhecimento, um projeto que se dá com mudanças gradativas.

Para piorar o caso, quaisquer forças progressistas atualmente organizadas se tornaram meros agentes de reação a tudo que surge, sem que se construa alternativas de saída. Tudo se resume a marketing e estratégia furada, o que também é um reflexo claro de um povo que pouco lê, que pouco consegue estudar e trabalhar por si mesmo a crítica, a reflexão e a produção de ideias. Não basta ao país apenas consumir, andar de avião, ter geladeira, ter televisão, precisamos de um país que saiba construir isso tudo, que saiba produzir tecnologias de defesa, que saiba monitorar tecnicamente os riscos de tragédia, entre outros.

Vivemos no desespero, em uma espécie de deixa acontecer e vamos ficando aqui. O Brasil na real não vive mais, apenas segue existindo enquanto respira. Este desespero que produz o crescimento das mais diversas formas de fé, de crença, de busca messiânica e equivocada de uma saída ou uma fuga.

Consta que, para sairmos deste abismo nacional, precisaríamos de um trabalho de longos anos. Precisaríamos recuperar os esforços em um projeto de educação concreto que garanta a nós formação suficiente para lidar com o revés do mundo. E um primeiro passo precisa ser tomado, a construção de um desejo de Nação, de nos entendermos como um povo onde um são todos, onde um cidadão não é problema só de si mesmo, mas um problema da cidade. Em resumo, precisaremos reconstruir o sentido coletivo da vida, o sentido político dela.

Temos de enfrentar fortemente a inércia que a tábula rasa dos 4 anos eleitorais coloca. Precisamos consolidar um olhar científico e técnico integrado, romper com o viés corporativo e particionado do indivíduo em si mesmo, do profissional em si mesmo, do saber como uma caixa cartesiana. Precisamos recuperar a costura e o sentido da função social do nosso trabalho e explodir os sistemas de captura financeira da vida. Não dá mais para aceitar cidades definidas e geridas com base em especulação financeira da terra, não dá mais para pensar hospitais geridos por quem vende nossa saúde a preço de banana, não dá mais para pensar a produção alimentar com base no lucro que posso ter com a fome do povo. Sem um olhar integral da vida, não sairemos desta lógica de ser um país cujo único projeto parece ser o de se tornar uma fazenda para o mundo onde poucas famílias fazem fortuna às custas da miséria de todos.

Petrópolis, Brumadinho, Morro do Bumba, Chuvas de 86, a história do nosso fracasso social segue cíclica.

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