brasil, política

7 DE SETEMBRO DE UM BRASIL EM QUESTÃO

Findados os atos e manifestações populares pró e anti Bolsonaro vai um balanço. Foram três movimentos bem demarcados, uma manifestação de 7 de setembro de apoio ao presidente, no mesmo dia o tradicional grito dos excluídos puxados pelos movimentos socials e partidos da esquerda tradicional, este ano em protesto ao presidente, e hoje dia 12 um ato pró-impeachment do Bolsonaro puxado pelo MBL e partidos de centro, de direita e de esquerda.

Primeiro em termos de massa, é notório que o apoio ao presidente ainda vigora no povo, com um ato mais plural, o Bolsonaro mostrou que ainda tem força e apoio popular em sua sustentação. Ainda que não tenha sido forte o suficiente para assumir o golpe em curso, o foi pra garantir uma rearticulação no poder. Quanto ao grito dos excluídos, mostrou alguma massa, mas não extrapolou o recorte dos movimentos, Um pouco se deu por parte dos próprios movimentos e partidos não terem apoiado a ida massiva às ruas por medo de um pretenso conflito. O ato puxado pelo MBL e partidos de centro, de direita e de esquerda também se mostraram esvaziados no dia 12 de setembro.

Parte do esvaziamento se deu pela carta de armistício entre o presidente e os demais poderes, parte pelo próprio esmagamento da militância tradicional em esvaziar, e parte pelo esvaziamento próprio da construção. No fim, o balanço principal que pode ser feito parece apontar um ganho político para o Bolsonaro e o bolsonarismo, que consegue se afastar das cordas e repactuar com o congresso e com o STF. Ainda que isso desagrade em um primeiro momento a sua base eleitoral, sabemos que estas manobras de controle de base não são tão difíceis de fazer, haja vista os anos em que a pauta de reforma agrária e urbana não saíram do papel e isso não ocasionou nenhuma ruptura significativa a imagem dos governos de esquerda.

Uma frase dita pelo economista Edmar Bacha, em entrevista a Folha, aponta para uma questão importante para a elite: “Bolsonaro é uma ameaça a democracia e Lula uma ameaça a economia” (entrevista completa aqui, vale a pena ler). Com estes poucos indícios e mais alguns conseguiremos desenhar um dos perigos em que estamos.

Diferente do postado por Jessé no Brasil de fato (faço aqui um recorte):

“O anti-intelectualismo também está em casa na baixa classe média. Isso é importante quando queremos saber a quem Bolsonaro fala quando ataca, por exemplo, as universidades e o conhecimento. A relação da baixa classe média com o conhecimento é ambivalente: ela inveja e odeia o conhecimento que não possui, daí o ódio aos intelectuais, à universidade, à sociologia ou à filosofia”. na íntegra em: https://www.brasildefato.com.br/2019/05/08/artigo-or-o-que-significa-bolsonaro-no-poder-por-jesse-souza

A leitura mais simplista e que chega a ser tacanha que enviesa qualquer solução é a repetição de que a base social que gira em torno do Bolsonarismo é uma determinada classe média que odeia o conhecimento e as universidades. Nem entrarei no mérito de que a veracidade desta frase e deste conceito é uma antítese para aqueles que pregam que o PROUNI e o REUNI democratizaram o ensino superior. Não é este o mérito da questão, mas sim que, não há uma base simplista em torno do Bolsonarismo, ele abraça os mais diversos tipos de apoiadores e aglutina em torno de suas pautas, nas muitas matizes que elas podem ter. A quem é da militância pode não enxergar, mas para quem é de fora, tal arauto da defesa da intelectualidade pura que condena os que não tem acesso ao conhecimento, nos coloca como um bando de arrogantes metidos a iluminados que temos a verdade em nossas mãos.

Durante a guerra traçada entre Bolsonaro e o STF, qual foi o principal movimento do establishment formado pela esquerda pelo centro e pela direita? fortalecer a institucionalidade do STF como símbolo da justiça. Sim, ele o é, mas é necessário entender para quem. Quem de nós tem acesso real ao STF? Quem de nós se reconhece em algum membro do STF? É sobre esse prisma que precisamos entender o que está acontecendo e a partir disso seremos capazes de compreender melhor porque parte significativa do povo se mantém alinhada ao Bolsonarismo.

Infelizmente a questão Brasil segue perigosa. Somos um país que não conseguiu democratizar qualitativamente suas redes de educação e cultura, e mantém parte gigante da sua população como trabalhadores passíveis de serem negociados barato. Temos hoje quase 600mil mortos por covid e milhões desempregados que ficam ao relento e entregues a própria sorte em um país sem estrutura.

Vivemos um país em forte depressão, cuja principal base econômica foi se voltar para commodities e onde há uma disputa fraticida entre uma austeridade e neoliberalismo de caráter mais internacional contra um protecionismo e nacional-desenvolvimentismo fraco. Ambas as saídas da disputa econômica corriqueira aqui tem fortes limitações. Em quaisquer situações, seguiremos sendo um país empobrecido e desigual, pois não dá pra traçar uma estratégia de solução concreta que se implemente em poucos anos e que seja capaz de resolver o Brasil no sistema global, garantir estabilidade e qualidade de vida ao povo, preservar o seu patrimônio natural e construído, sua cultura, seus biomas, entre outros sem melhorar exponencialmente nosso sistema educacional e de seguridade social.

A baixa qualidade e capilaridade do sistema educacional, e os baixíssimos incentivos em desenvolvimento em pesquisa e tecnologia atrapalham qualquer processo de industrialização de um país, um dos motores de desenvolvimento econômico dele. E esta foi nossa escolha política, fragilizar a educação pública em especial os centros de pesquisa, não considerá-los como estratégico para o projeto de nação. O salário médio de um técnico da indústria é, segundo site portal da indústria da CNI, por volta de R$2400 reais, valor extremamente aproximado a uma bolsa de pesquisador científico em fase de doutoramento, sendo que a média nacional da renda per capta é de R$ 1438,60 reais.

Outro elemento que precisa entrar na conta. O brasileiro, em quantidade razoável, mesmo que não clame pela ruptura democrática, não se importa se a mesma acontecer. Isso é muitas das vezes tratado pela esquerda com o viés que o Jessé trouxe, esse olhar que retrata o povo como alienado ou inculto que não compreende o significado disso. O que vale entender é que a alienação se alimenta pelo distanciamento das instituições, o povo em geral sabe o quão complexas e descoladas dele são estas relações institucionais na sua escala cotidiana. Sabe o que é esperar e morrer antes da cirurgia de risco ter data, sabe o que é ver um julgamento de um filho nunca sair da gaveta do juiz, sabe o que é ser achincalhado por PM que pede o do café, e sabe que STF é algo tão distante de si que habitam quase outro planeta.

Este é um dos problemas, o Bolsonarismo justifica sua incompetência e suas decisões políticas de desmonte social com base em uma máxima: – “estou tentando fazer mas eles não deixam” e isso cola. Sob esta máxima ele congrega o alinhamento de diversos brasileiros que seguem cansados e indignados e que enxergam a terra arrasada do Brasil pós-copa e o niilismo do caos político. Este ponto é crucial: porque defender um sistema institucional que te exclui? Por que defender um modelo de sistema onde a casta política e econômica gira a serviço de pagar o preço dos lobbystas que patrocinam as campanhas e demais? Por que manter o status quó do sistema social em um país onde a linha de heranças mantém os donos do poder por séculos a frente das decisões importantes da nação? O povo mesmo quase nunca foi convidado a participar do Brasil. Voar de avião e comprar geladeira inclusive não se encaixa em participar das decisões do Brasil, mas sim quem é dono, investidor ou lobista de empresas aéreas (só pra citar um exemplo), cadeia da economia que por exemplo não está desamparada pelo Bolsonaro, o que reforça a frase de Edmar Bacha: Bolsonaro não é uma ameaça a economia, na visão das elites brasileiras.

Talvez justamente por isso, todos que fazem contas eleitorais fiquem desesperados em ciclos de histeria militante. Ninguém é uma unanimidade, ninguém está derretido e 2022 ainda segue como uma incógnita. A polarização seguirá girando em torno de dois nomes a princípio. Ambos não interessam ao grande capital, mas o capital acabará sendo obrigado a tolerar um dos dois e 2023 não acalmará a crise. Então, com quem o capital ficaria? com o que ameaça a democracia mas cumpre a agenda econômica, ou com quem ameaça a agenda econômica mas cumprirá com a democracia? (nas palavras do economista, uma das vozes do BNDES).

Para o capital internacional nossa democracia representativa ou qualquer outra é um detalhe desde que a agenda econômica consiga avançar no sentido de seus interesses. Para nossas elites o caminho é o mesmo e somado a isso, a manutenção dos privilégios, para o povo fica a sobra da sobra e o risco de um futuro extremamente perigoso. A quem vive nos subúrbios e periferias, a ruptura democrática a muito que já aconteceu e estamos entregues ao relento e este povo segue sentindo que não tem mais nada a perder. Para a maioria, todos os nomes dados são iguais na sua falta de compromisso com os mais pobres e na busca de primeiro responder ao anseio das elites econômicas para depois tentar pactuar o que foi decidido lá em cima com o povo.

Qualquer alternativa ao bolsonarismo e ao partido militar precisará passar por uma ação que seja disruptiva ao processo em curso e legitimada pelo povo, não apenas o povo organizado militante, é imprescindível que avance pelo povo que se organiza por outras esferas de sociabilidade como o banco da praça, a conversa de bar, a fila do pão e do banco. Este povo que na fala de Jessé odiaria os intelectuais, mas que na real caga pra existência destes e de suas bolhas de iguais que habitam colóquios, congressos, vernissages, lançamentos de editais de fomento, e por aí vai.

Este é outro problema, a indignação popular que é capturada pelo bolsonarismo não deveria se legitimar por ele, visto tudo que ele representa, mas ela o legitima. Tem um dever nosso que consiste em trazer para a ordem do dia os motivos da indignação e sermos capazes de dar resposta efetiva a eles e não simplesmente ficarmos atônitos diante dos fatos políticos e movimentações de cúpula, acordos, cartas, aproximações. Frase que ouvi de um uber:

“o cara é muito maluco, mas muita gente desses aí que reclamam do cara podem ficar sem trabalhar, se eu parar num tem comida”.

O protecionismo do neo-desenvolvimentismo brasileiro, assim como o rentismo ou o fomento do capital internacional por si só não transferem riqueza ou qualidade de vida para a população. Precisamos repensar urgente nossas ações neste Brasil que está em jogo, onde a maioria absoluta de nós virou refém dos devaneios presidenciais e das forças políticas e econômicas que não nos tem na pauta central.

As eleições, se houverem, precisam ser muito bem traçadas para que o país retorne a um momento mínimo de calmaria, porém mais importante que as eleições são as ruas. Ali sim, onde o dia a dia do povo acontece que é preciso continuarmos as ações e o aprendizado da lida. O problema não é apenas 2022, mas sim 2023 em diante, e mais importante ainda, está em resolver a inserção dos mais pobres no centro das lutas globais enquanto protagonistas.

O impacto que importa não está apenas nas disputas dos personagens que vão gerir o país ou em quais grupos econômicos e de elite eles representam ou querem representar, mas sim na construção de uma saída concreta dos ciclos de pobreza e má distribuição de renda global, considerando a escala nacional que nos cabe. Neste sentido, qualquer manifestação em defesa da democracia precisa estar alinhada com a defesa dos pobres, precisa por em questão e em debate os limites do modelo atual.

Cabe a esquerda e aos setores progressistas se despirem dos cálculos eleitorais e das conversas de bastidores e retomar a busca de uma democracia de movimento. Precisamos nos capacitar a construir políticas desde a microescala até verdadeiras políticas de estado que fujam desta encruzilhada. Precisamos trabalhar na defesa das instituições constituídas, mas sem o olhar acrítico que acaba por romantizá-las e não por questões fundamentais sobre elas em pauta. E sinceramente, um Brasil grande ou o milagre do crescimento nem é o eixo da questão, o que precisamos mesmo é de um Brasil mais igualitário e melhor distribuído social e economicamente.

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