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Fragmentos sobre o empreendedorismo

Algumas palavras caem no senso comum e vão ganhando formas diversas enquanto se perdem no seu conceito. Assim aconteceu com sustentabilidade, assim está acontecendo com o empreender.

Em nome de um sistema de marketing que pretende transformar o ato de empreender em um padrão natural, quase uma essência humana, vamos criando máscaras e distorções históricas tremendas. Uma delas é dar o ar científico do termo ismo a palavra, e outra delas é investigar o ato de empreender como um ato a-histórico, atemporal, como se o conceito existisse desde nossos primórdios.

Primeiro precisamos entender que um conceito é cunhado e consolidado quando um certo conjunto de possibilidades e significações corroboram com isso. Em sociedades como as primitivas, ou mesmo na era do bronze, o conceito de empreendedor não cabia. O que falamos aqui é algo muito similar com as tentativas forçadas de vincular Jesus ou os indígenas ao comunismo marxista. Ainda que não haja uma definição unanime sobre o conceito de empreendedorismo, alguns dados são bem-vistos, entre eles a capacidade potencial de inovar em algo assumindo os riscos.

A problemática da discussão do empreendedorismo se dá quando analisamos processos complexos de inovação apenas a partir dos indivíduos que centralizam a gestão ou liderança do processo sem assumir que estes processos são uma construção de corpos coletivos (direta ou indiretamente).  A busca de competitividade e inovação constante fez com que aumentasse o grau de investimento do sistema em empreender o que materialmente é muito bom. O ponto crítico está justamente em um simbólico que implementa em torno de algo amplo e social a um homem. Brecht em seu famoso poema: “Perguntas de um trabalhador que lê” já alertava a esta crítica, questões como:

“No dia em que a Muralha da China ficou pronta,

Para onde foram os pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo:

Quem os erigiu? Quem eram aqueles que foram vencidos pelos césares?”

Nenhuma sociedade, nenhuma aventura humana na terra, se reduz aos seus ícones e heróis. Os próprios estudos sobre inovação contemporânea já compreendem a importância capilar de todos aqueles que estão vinculados nas redes envolvidas na construção dos seus caminhos. O problema é que, refletir esta materialidade dos fatos rompe com um simbólico fundamental de sustentação do sistema que também é antiquado, a construção do incone-herói.

O que o sistema faz no lugar disso é construir uma série de novas significações para empreendedor, entre elas quaisquer enfrentamentos na vida que envolvam risco e autossuperação vira automaticamente ação empreendedora. Com isso tentam igualar romanticamente o camelô que vende bala numa luta hercúlea pela sobrevivência com um Elon Musk, cuja herança o permite investir nas mais diversas experimentações globais e interplanetárias.

Casos como o dos camelôs não são empreendedorismo, são luta pela sobrevivência mesmo em um país que não promove o mínimo de direitos civis dignos pra seus cidadãos. Por sua vez o empreendedorismo como construção social pode nascer de um pacto social importante: investimentos pesados do Estado em P&D, valorização dos polos de desenvolvimento tecnológico e de desenvolvimento social, fortalecimento da educação de base garantindo o olhar mais realista e humanista sobre o Brasil e estrutura social digna para que o povo tenha tempo de estudar e se desenvolver.

É necessário que entendamos de vez que os grandes e famosos empreendedores do mundo não foram pessoas avulsas, mas sim pessoas que conseguiram articular uma gama de sorte e possibilidades em torno de si e que seus grandes empreendimentos nunca teriam saído sem a lapidação e suor de muita gente, dos faxineiros das empresas até o presidente da república de alguns países. No fim, o empreendedorismo mesmo é consequência de uma ação coletiva de sociedade disfarçada de uma ação individual refletida em uma liderança.

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