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Moise

É mais que notório e inegável que vivemos um país racista. O assassinato a sangue frio do jovem congolês que buscou no Brasil um caminho de esperança e como tantos periféricos caiu no ciclo de morar em uma favela dos subúrbios e trabalhar em um bairro da centralidade retrata a imensa fragilidade do que temos construído até aqui.

Simplesmente, independente das inúmeras tentativas, nenhuma política pensada neste país até hoje reduziu ou mitigou a guerra aos pobres e a guerra aos povos negros. Nenhuma organizou economicamente e socialmente o fim deste ciclo histórico do mundo que faz transbordar até hoje a mesma violência que assolou a diáspora dos povos africanos somada a violência que os segue assolando em dias contemporâneos.

O sistema miliciano que matou o jovem Moïse Kabagambe a sangue frio e com doses colossais de sociopatia, é da mesma lógica de controle social que hoje ocupa seu país em guerras étnicas sem fim. Mesmo que haja um abismo entre os tipos de conflitos, há pouca diferença no uso tático das forças do capital entre este modelo que gere (pelo poder da violência) os territórios no Brasil, dos modelos organizacionais de clãs que ainda hoje se disputam nos territórios africanos.

Há em ambos a face da violência material, exposta pela pobreza, pela desigualdade de oportunidades, pela fome, somados a violências simbólicas com a impregnação no imaginário de que o corpo negro é o outro, o não familiar (ainda que ocupe massivamente o território).

O estado de guerra traçado permanece porque movimenta poder e dinheiro. Você consegue especular sobre terrenos, vender armas, vender a salvação eterna e divina aos que não tem muita esperança, criar lugares nas cidades mais valorizados (por haver lugares menos valorizados), consegue consolidar garimpos de extração de minérios em territórios controlados por um clã, entre muitos outros exemplos de como explorar estas relações de controle sócio-espacial.

Nkrumah fora a sua época inteligente ao notar que no seu território específico era necessário romper com elementos do conceito étnico para resistir a este outro que se utilizada destas disputas para manutenção da colônia. Para K. Nkrumah não era central uma linguagem ou cultura unificada, mas sim a construção de uma unidade em torno de uma construção comunitária da vida, a saída não partiria necessariamente pelos iguais cristalizados em seus laços étnicos e identidades imutáveis. A proposta passaria a ser uma nova composição, uma identidade que parte do desejo de libertação e emancipação dos povos africanos.

Moïse, congolês, fugido das guerras e da fome, negro, trabalhador, morador de Brás de Pina, foi assassinado ao tentar receber seu salário. Moïse foi morto em um país que usa de toda força e conhecimento dos povos negros na mesma medida em que os chacina diariamente em operações policiais sem fundamentação, afinal, o carro da PM passa diferente em Costa Barros e na Barra da Tijuca. Esta mesma PM onde corpos negros também são treinados pra matar e morrer a esmo em uma mesma Costa Barros onde corpos brancos também podem ser lidos como corpos negros diante do bico de um fuzil que passa apontado pra fora da Patamo.

Este é um crime que não pode ser silenciado, não pode ser abafado e nem resumido em uma bandeira ou símbolo de ato, é um crime que precisará ser devidamente punido. Assim também, é um crime que acende o alerta vermelho para esta cidade em que estamos! O Estado miliciano não se refere apenas as forças do poder armado que se organizam, junta-se a isso a cultura que se constrói em torno do punitivismo e justiçamento e sob o qual vamos nos habituando. Não vamos sair desta miséria de situação se não traçarmos urgentemente lutas que busquem verdadeiramente o desejo e o trabalho em torno da emancipação e libertação do povo mais pobre como um todo.

Congo, um país cujo PIB é de 10 bilhões de dólares, aproximadamente uns 5% da fortuna de Elon Musk perdeu no Brasil um dos seus filhos.

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